sexta-feira, abril 25, 2008

Das placas, nem o pó!

Uma placa em meio a um cruzamento. Uma sinalização que indica caminhos tortuosos para o bem e para o mal. Uma criança está perdida ali. Na verdade, não apenas ela, mas muitas outras permanecem no mesmo local, que está lá e em qualquer lugar do mundo de cabeças e interesses distorcidos.

Sem saber ler, escrever, dormindo tarde e acordando cedo, para trazer um pouco, do que nada tem em casa. A esperança de uma vida melhor que poderia ser alcançada se aquela placa, fosse apenas uma placa, e não uma parede de proteção, um cenário, que esconde rostos e almas deixando a carne exposta para sofrer o calor incessante do sol e a dura frieza dos corações inertes e pouco palpitantes dos transeuntes.

Uma vida sem perspectiva e de movimentos de mão ascendentes apoiados por um limpador de vidros que quase sempre é respondido com indiferença e uma negação instântanea.

Por que tantos com tão pouco? Por que tão poucos precisam de tanto, a toda hora e a todo tempo? Por que queremos tanto ter, ao invés de ser? Se a maioria está tentando ao menos sobreviver?

São muitas perguntas, para nenhuma resposta. Nenhuma assertiva que possa satisfazer esse questionamento que não deveria ser apenas de uma consciência projetada individualmente, mas de uma consciência coletiva que pode mudar o mundo.

Sonhar? Não custa nada. Mas viver? Custa sim, e caro, muito caro. Principalmente para aquele menino, de calção velho, camisa desbotada, descalço, olhar vazio e triste, mas com a esperança oculta de que um dia, o egocentrismo coletivo vai se transformar num pensamento de justiça e igualdade, onde todos poderão ser cada um e não só adereços de uma placa, em meio a um cruzamento.

Do blog - Escrevi este texto, após observar da janela de um ônibus, um garoto de pouco mais de 10 anos, se esgueirar entre os carros para tentar limpar para-brisas e ganhar trocados, isso, depois das 22h.

terça-feira, abril 22, 2008

A imprensa no caso Isabella Nardoni

A morte de Isabella Nardoni, de apenas 5 anos, é o agendamento midiático do momento. Ou seja, o tema de maior impacto, o qual os veículos de comunicação estão proporcionando maior cobertura em detrimentos de outros assuntos nos últimos dias, nos jornais, nas rádios e na televisão.

A forma como este crime está sendo exposto divide opiniões e de uma forma bem sucinta, tentarei expor os dois lados, o negativo e positivo, da ampla atenção que vem sendo dada ao fato pela mídia nacional:


A mídia, agente educador

Por um lado, a imprensa está conseguindo algo que normalmente não é comum. Dar continuidade a umtema, a um fato. Normalmente, um assunto é explorado até um dado momento, até que outra coisa maior ou de interesse do meio de comunicação aconteça para que o agendamento seja mudado.

Além disso, a cobertura - na medida do possível - está sendo realizada de maneira multidirecional, pelos menos nos últimos dias, quando as partes envolvidas estão sendo entrevistadas e tendo espaços nos veículos, desde a polícia, passando pelos advogados e promotoria, até os acusados.

Há ainda a questão da formação e educação que a mídia proporciona, uma das funções pouco exploradas e percebidas pela maioria dos cidadãos. Com o acompanhamento quase em tempo real, é possível para a população perceber como funciona o trabalho de investigação, de abertura de um inquérito e todo o processo para que alguém possa ser julgado.

O lado negro da mídia

Mas nem tudo são flores na também cruel e maldosa cobertura do caso Isabella Nardoni. Apesar de agora, as pistas e os indícios mostrarem o casal (pai e madastra da garota) com os principais suspeitos do crime de maneira mais clara, estes logo no início da cobertura, já haviam sido declarados culpados pela própria imprensa, que infelizmente, possui o dom acusar, para em seguida, apurar com mais cuidado.

Foi incitado ódio nas pessoas, que antes mesmo da liberação de qualquer laudo ou informação mais concreta sobre o caso, cidadãos já cercavam o carro dos acusados clamando por justiça e taxando o casal por assassinos. Sobre a imprudência da mídia, leia um pouco sobre o caso da Escola de Base, onde um casa, proprietários de uma escola infantil, foi acusado de abusar sexualmente de crianças, e tiveram sua vida devassada e destruída, para depois de tudo, ser constatado que ambos eram inocentes.

Existe também a superexposição do fato, não se vê, lê, ou ouve nada diferente em relação a notícias que não seja a morte de Isabella. Diversos outros temas e assuntos bem mais importantes para o coletivo, para a sociedade em geral, como problemas sociais que vêm a fomentar a prática de crimes bárbaros como esse tal.

Pense bem, quantas crianças morrem em situações parecidas ou em circunstâncias bem piores. Bebês perdem a vida por falta de comida todos os dias, no mundo inteiro, e isso não é noticiado em lugar algum. O máximo que ocorre, é que essas mortes se tornem estatísticas para um discurso demagogo e hipócrita durante a campanha eleitoral.

Ocorre ainda que a pressão dos jornalistas e da grande mídia acaba por prejudicar as investigações do caso que, como qualquer outro, precisa ser apurado com cuidado para não provocar a construção de um grande erro que pode acabar com a vida de um casal, ou livrar dois monstros da cadeia. A cobrança constante por parte da imprensa e a busca por novas notícias faz com que a investigação não satisfaça a ela própria, mas também para alimentar a fome pela informação, o que pode proporcionar o desvio do foco, que é elucidar o caso.

Crescimento social ou a guilotina?

Enfim, apenas quis trazer um pouco do que acontece por trás da construção de uma notícia, e da importância do cuidado para que uma informação seja mostrada pelo que ela é, e não pelo que querem que ela seja. Porque o jornalismo pode ser uma forte arma para crescimento social ou uma máquina do tempo para regredir ao tempos da guilotina medieval.

sábado, abril 19, 2008

O Banquete

Em meio à noite densa de uma floresta como qualquer outra, os movimentos lépidos de um vulto podiam ser vistos ziguezagueando por entre as árvores. Na verdade, seria uma cena comum, exceto pelo capuz vermelho que ocultava aquele rosto, antes mostrado sem o menor pudor. Uma face cheia de magia, mas que possuía feições poderosas e delicadas.

O passeio noturno da estranha de vestes rubras havia se tornado freqüente nos últimos dias, o que não passou despercebido aos atentos olhos dele, sim, ele havia detectado a sua presença. Com alma de predador ele a acompanhava todos os dias, sem que ela percebesse que estava sendo observada.

Mas o desejo não deixou que ele permanecesse oculto às sombras. A magia daquela garota havia destruído seu equilíbrio. E naquela tácita e habitual noite, ele acabou por irromper diante daquela criança, daquela filha da noite. Nem uma palavra foi dita, apenas uma troca de olhares profundos e gélidos, mas que carregavam algo mais, algo que se escondia por entre as frestas da tensão momentânea.

O encontro durou pouco mais de alguns segundos, pois aquele ser solitário de garras e olhar agressivo, se entregou à força e a delicadeza dos traços obscurecidos pelo capuz rubro. Ela, não estremeceu, encarou-o por alguns instantes e seguiu seu caminho deixando-o para trás, deixando que sua silhueta se perdesse na inebriante e silenciosa neblina noturna.

O vagar da garota não durou mais que alguns minutos. Ela se deparou com uma casa de madeira, num pequeno pântano, um cenário comum a uma memória não tão distante. Com um movimento rápido de mãos, ela tocou a maçaneta da porta que se abriu acompanhada de um ruído inócuo, porém gélido.

Indiferente, ela entrou e dirigiu seu olhar para o segundo cômodo, dos dois que a casa possuía. E viu aquele corpo, jazer sobre o leito, que tinha ao lado, apenas um abajur antigo, com uma fraca luz que tornava a escuridão do ambiente, ainda mais perversa.

Ela se aproximou, observou com calma aquele personagem que, estendido, a encarava de uma forma que ela já conhecia. Nenhuma pergunta ela fez, apenas deixou que seu capuz caísse para trás. Aquele que há alguns minutos a encarou inebriado, aterrorizou-se com aquela nova visão.

Antes que pudesse esboçar qualquer outra reação, os dentes daquela jovem sedenta de sangue perfuraram sua jugular, ao ponto que seus olhos antes vívidos, perderam a cor e as garras tão poderosas tornaram-se apenas um adereço de um corpo dantes tomado de paixão. Ainda com resquícios de vida, teve seu pescoço entregue ao deleite de uma senhora com prováveis séculos de existência.

Apesar da escuridão noturna apóia-las incondicionalmente, aquela cena dantesca foi acompanhada pelos olhos atentos de um caçador que se esgueirava pela janela frontal da casa e permitiu-se não interromper aquele banquete violento, ciente de que aquela animalidade precisava ser parada, mas não naquela noite, que era delas, só delas...

domingo, abril 13, 2008

Do Coliseu aos gramados

Futebol. Esporte adorado em dezenas de países e festejado no mundo inteiro. Basta uma bola rolar num tapete verde que o coração bate mais forte e milhões de pessoas vão às arquibancadas ou param diante de um aparelho de TV para assistir ao qualquer jogo que seja.

Mas, para outros, o futebol se tornou apenas um subterfúgio - uma desculpa - para transformar uma festa de multidões em um palco de selvageria, uma arena medieval dos tempos do Coliseu, em Roma.

É assustador como muitas dessas pessoas, que se dizem torcedores, saem de casa com o único propósito de ocupar espaços na arquibancada de um estádio de futebol e se digladiarem, sem justificativa alguma, apenas pelo prazer de exercer poder e de praticar a violência gratuita.

Mas por que isso ainda ocorre? Bem, tanto pela impunidade, quanto pela venda de álcool durante as partidas (é, ele libera impulsos resguardados pelo bom senso). No entanto, creio eu, que este fato ocorre bem mais pela cultura da violência e do egoísmo, em detrimento da educação e da partilha, do que por qualquer outro motivo.

Hoje, as crianças nascem e já são expostas a todo tipo de violência gratuita e a uma sociedade que nos ensina, a cada dia, a pensar mais individualmente e menos no coletivo. Uma cultura que preza o ter e não o ser.

Infelizmente, paradigmas (nesse contexto, padrões de comportamento social) que se arraigaram no ventre de nossa sociedade e não podem ser mudados de uma hora para outra, mas sim no movimento gradativo de uma verdadeira evolução humana.

Quanto a medidas imediatas para resolução do problema, precisamos banir dos campos de futebol essas pessoas que mancham a imagem dos verdadeiros torcedores que se reúnem para ir aos estádio e cantar, vibrar todo seu amor pelo time do coração e pelo esporte mais aclamado de todos os tempos; o futebol.

sexta-feira, abril 11, 2008

Inconseqüência fora do ar

Há um tempo não escrevo neste blog e essas mensagens que fazem referência a este abandono são quase tão freqüentes quanto as postagens. Mas deixando de conversinhas paralelas, como diziam meus professores do ensino médio, vamos ao que interessa.

Não tenho acompanhado com rigor todas as reportagens relativas ao caso da morte da pequena Isabella Nardoni, de apenas 5 anos, a qual não vou descrever, pois aqueles que eventualmente venham a ler este texto, devem ter conhecimento de causa. Nesse sentido, uma coisa eu posso avaliar, tanto enquanto cidadão - são e com o mínimo de discernimento crítico - quanto como estudante de jornalismo que consegue perceber a espetacularização inicial dada ao fato.

Não quero reduzir o nível da barbaridade da morte da criança, mas quantas crianças morrem em situações parecidas ou em circunstâncias bem piores. Bebês perdem a vida por falta de comida todos os dias, no mundo inteiro e isso não é noticiado em lugar algum, a não ser como estatísticas durante campanha eleitoral num discurso demagogo e hipócrita.

O comum, o trivial, não é interessante à mídia que tem sede de sangue e o ímpeto de alimentar a fúria e o falso moralismo de uma população que pede um culpado para um crime que ninguém sabe quem cometeu, apesar das suspeitas.

Duas pessoas saíram de uma prisão de 30 dias, mas quem sabe quanto tempo elas permanecerão enclausuradas num sentimento de culpa que pode muito bem não ser deles? Imagine-se no lugar de um pai acusado de matar o próprio filho, sendo ele, inocente?

Escrevo isto com uma enorme dor no coração pelo sangue frio do assassino e pela não menos fria mente de cada cidadão, telespectador, leitor, internauta ou simples fofoqueiro que prefere chutar um veículo em movimento e chamar um homem de assassino, ao tentar perceber o mundo podre e insano no qual ele está vivendo.

Não quero declarar ninguém culpado ou inocente, não quero posar de bom samaritano, quero apenas mostrar como uma pessoa pode se indignar, naturalmente, sem antecipar o julgamento de alguém por preconceito ou mesmo por falta de conceito algum.

Espero, de verdade, que o caso tenha um desfecho e que não fiquemos com mais um crime indo parar numa gaveta escura e com cheiro de mofo por falta de investigação ou empenho da polícia. Torço também para que este jornalismo que muitas vezes é feito pelo Ibope e não pela busca da imparcialidade - que realmente não existe plenamente no conceito de jornalismo-, busque menos culpados e mostre mais a verdade, sem distorções ou floreios.

Mas minha maior e real vontade e poder ver pessoas se preocupando com as outras por natureza e não por um agendamento midiático que insiste em mostrar a tragédia por ela mesma e não como ferramenta de mudança social e humana.

Esse não é apenas um artigo de opinião, mas um desabafo pela forma com vejo o jornalismo sendo feito, tal como salsichas, que até são boas de degustar, mas a forma como são feitas, na maioria das vezes, não agrada.